Hoje eu sonhei que tinha matado meu pai. Eu não sei o quanto
de vida eu ja perdi, o quanto de vida eu morri todo os dias da minha vida. Ele
me mata um pouco todos os dias. Todos os dias me mata o meu pai. Essa alma que
tenho, não sei se a sinto, se ela é minha, ou se já a perdi, se sobrou alguma
coisa que de fato posso falar, isso é meu. Todos os dias eu me perco de
tamanho, como se a vida engolisse as horas que sobram. Foi apenas um sonho?
Todos os sonhos da minha vida se transformando em pesadelo. Todas as mortes
batendo na porta. Todos os anos mortos pendurados na parede. Colecionando ossos
no armário da cozinha. O gato se despedindo da caça. As taça se trincando na
geladeira. O sofá emudecido, a televisão sem som, as almofadas cheias de pó, o
piso marcado, o silêncio. As vozes
encostando do outro lado do ouvindo, lhe dizendo todas as frases que você nunca
quis escutar. A janela da solidão dentro do vidro. Ele terá sempre toda a
distancia para percorrer entre duas pessoas que jamais se encostam de verdade,
mesmo estando enlouquecedoramente culpadas a se sentirem juntas amenizando o
terror da experiência de se olharem como são fechando os olhos pelo resto da
vida. Quem deixará de existir?
Não terá outro caminho , sem ser o aniquilamento?
renunciar a própria existência para não destruir,
como posso existir num mundo onde para ser o meu próprio ser
presume-se tacitamente a revogação de todos os preceitos do absolutismo logico
da sua majestade moral? E ao mesmo tempo, como posso cingir a continuidade
desse algo supremo da posteridade do antes que me trouxe para agora, e me fez
ser homem para falar que aqui estou?
Não, isso não é possível, e se não fosse um visível sinal físico em meus
dedos, o não compreensível eu explicaria por dizer sim, traiçoeira mãe levou
para o bordel sua idoneidade. Não sou
seu filho, e ao mesmo tempo, sinto ser sua mais pura carne. Como tal mutação
ocorreu, como se entre nós milhares de gerações separasse o pai e o filho. Algo
entre os pensamentos. Algo entre as ideologias malditas. Carnes dos abutres dos
homens sórdidos. Inventam esses costumes todos, e todos os códigos e
morais, e futricos e sentimentos perversos que cobram os amigos dos seus amigos, as
rodas das suas rodas, os povos dos outros povos. E ensinam seus fillhos, e choram e brigam
e gritam. E se matam de vergonha. E tiram sangue do ódio. E vergonha, e sentem
vergonha dos seus filhos e dos seus pais, e das mães, por que eu talvez não
sinta vergonha da minha, por que ela não é uma puta? O que é ser uma puta? Em
qual sentido? Nem do meu pai, por que ele não é um ladrão? O que é ser um ladrão? E se fosse, o que
iria mudar do meu sentimento por ele? Não ame mais seu pai porque ele é um
ladrão. Não ame sua mae porque ela é uma puta. Quanta vergonha, quanta
vergonha, ser puta e ser ladrão, é tão vergonhoso quanto ser viado? O
sentimento de vergonha é o mesmo, independentemente da conduta, do quanto está certo ser puta para mim ou para você,.... por que ainda sentimos vergonha, por
que ainda estamos aprisionados nos outros olhares , dos que vem fora da janela,
do outro lado, não olhamos e não sentimos com os olhos de dentro, não escutamos
com o coração, não, sentimos vergonha, e somos pequenos e menores por isso, e
assim seremos menos humanos, e menos justos conosco, com nossos pais, e como
nossos filhos enquanto a vergonha estiver entre nós, nos empurrando para longe
um dos outros, esfriando nossos lares, esquentando os bares com angustias, com
desalentos, com mais corpos dos homens meninos que sentem vergonha por não
terem tido pais, por serem homossexuais, homofônicos, hemofílicos, paralíticos, por terem algum defeito, alguma
doença, ou qualquer coisa de demasiadamente humano que o primeiro olhar que o
deveria acolher, lhe aprisiona da vida, lhe afasta dos demais. Vergonha, no fim somos todos nós escravos envergonhados boiando no meio dos dias. Os contemporâneos modernos prisioneiros da vergonha.
FC
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