quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O PRISIONEIRO



Hoje eu acordei e quis me matar,
Depois sorri, e percebi que todos os dias eu iria querer me matar,
Sempre tinha sido assim... e de novo , não me matei...
Hoje eu acordei, eu sonhei que vivia, que era feliz, que completava anos, que enxergava o sorriso no meu rosto, que sentia a felicidade nas pessoas, que entendia o que era viver, hoje o mundo me pareceu menos pesado do que ontem, e quando vi, ele já tinha passado,
Eu já tinha acordado dos meus pensamento, já estava menos escravo do tempo  e um pouco mais de mim e dos medos que sempre foram meus, do descontrole que sempre tive ante todos os desgovernos que me regem, todos os mundos que me perseguem, o nada que comanda minha solidão...
Sou um escravo, e assim na ilusão de uma liberdade completo mais um dia, envelheço mais um tempo nessa cela de vidro, nesse tempo de cristal que me escorre dos olhos, os tempos das lágrimas dos infinitos que sempre cortaram o meu peito, que sempre rasgaram a minha voz e me impediram de falar ,e fizeram todas as minha palavras serem vãs, todos os meus gestos vazios, todos os meus atos falsos, sim, sou o mais covarde dos homens e o mais infeliz... condenado nessa eternidade de para sempre estar preso dentro de mim, quando o sol abandona a face, quando o leito abandoa o quarto, quando os olhos se despedem do olhar...não posso mais fingir a inutilidade completa da minha existência, a transparência absoluta da minha ineficácia, em uma palavra: o meu fracasso, sou absolutamente inútil e contagiosamente perigoso, assassino, letal, e contaminado pelos mais óbvios traços orgânicos celulares que as compulsivas obsessões  eróticas podem levar um ser humano  após anos de depravadas reincidências desprotegidas no abismo da ebulição corpórea do anonimato coletivo
Sim, vicioso, depravado, egocêntrico, prepotente, revoltado, imaturo, lascivo, viciado,  arrogante , tímido, mas acima de tudo, um solitário, com todos esse corpos quentes sempre tocando a minha pele sempre virgem, o mais solitário dos homens, esquecido na face mais gelada da terra, o castelo dos vidros quebrados, das sombras apagadas, dos ecos mudos, dos meninos castrados, dos olhos revirados, a casa onde as mães dormem com seus filhos no colo e os pais são os bonecos que assustam, que cortam, que prendem, são os tetos que abaixam, são as grades, os tijolos...
Hoje eu acordei e quis me matar, amanhã eu fecho os olhos para dormir de novo...
Todos os dias a gente acorda com os mesmos olhos
Todos os dias a gente acorda
Há 365 dias atrás eu completava um ano a menos do que completo agora
Há 365 dias atrás, eu, de alguma forma, também acordava morto







Era tao bom poder sonhar, estar liberto no campo alvo, nos campos, liberto eu estaria, se a vida fosse de fato um sonho, mas era um alvo, cuja clareza não me ocorria... aquelas palavras, me vinham como uma bigorna, aquelas letras, como um machado na língua, aquelas notas, como um canivete nos dedos, e todo o resto estava turvo, estão líquido os objetivos, os refugiados dentro de mim, haviam fugido para outro lugar, e de novo o vazio... os pássaros da noite me assombravam, os uivos do mundo, os bicos desses pássaros, me mordiam a pele, sem parar, sem parar, eles mordiam, eu indefeso na relva me sentia, na relva de concreto, numa ereção sem sentido, numa decadência voraz tropeçando nas próprias desculpas, no próprio sem jeito de dizer as coisas e refazer o mesmo caminho sem saída, a viela do desespero, o risível dos mesmos enganos, os mascarados sujeitos personagens que criei para me vigiar ao longo da estrada, o que bloqueia as relações, o que define o nível de profundidade nos mergulhos das trocas com os queridos desconhecidos que me tocam, que me sorriem, que me circulam por décadas, os mesmos rostos mascarados, os simulacros das pessoas queridas, rindo as mesmas esperanças, esperando aquilo que também espero de mim, torcendo o mesmo pano sujo que também torço dos trapos da minha alma, nesse circo dos corredores perfumados de cinzas, nesse jardim de pequenos cemitérios onde os olhares foram enterrados no baile dos coveiros de fraque, todos foram enterrados a mais de década, e assim todos permanecem, nessa dança violenta, morrendo todos sempre quando pisco os olhos, esses meus sonhos das terras do nunca, pois nunca consigo encostar em ti, nunca, somente quando lhe dou as costas, nos meus pensamentos, eu encosto, com as palavras que eu não disse, com aquilo tudo que não fiz, com tudo que não ainda não sou, e talvez, nunca serei, e sei, no arder mais funesto do meu ser, que mesmo sem ver, e sem pertencer, ao mais profundo e real do teu ser, sem acesso ter, dentro de mim eu posso ver e chorar os teus olhos como são, posso morrer assim talvez nessa loucura de não saber se vida é tal como ainda não foi, ou se tudo é apena uma medíocre ilusão...




FERNANDO CASTRO

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